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Aduaneiras | Alyson Bergold – São Paulo | 12/05/2025
A reforma tributária tem estado há algum tempo no centro das discussões tributárias e aduaneiras e continuará assim até que o período de transição se encerre. Mais recentemente, em janeiro deste ano, tivemos a publicação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que altera a legislação tributária nacional e institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS).
Muito se debateu sobre a ausência de detalhamentos complementares sobre os regimes aduaneiros especiais no PLP nº 68/2024, entretanto, é válido observar que o objetivo principal do PLP (e, agora, da Lei Complementar) é instituir e dispor exclusivamente sobre o IBS/IS e a CBS, substituindo os dispositivos anteriormente tratados nas Leis nºs 9.718/1998, 10.833/2003, 10.865/2004, entre outras, bem como demais Leis Complementares, MPs e DLs relacionados ao IPI, PIS/Pasep e à Cofins. Para detalhamentos e novas definições ou enquadramentos a respeito dos regimes aduaneiros especiais, torna-se necessário que o legislador proponha projetos de leis específicos sobre o comércio exterior e regimes aduaneiros.
Neste contexto, em paralelo, tramita no Senado o PL nº 508/2024, que tem por objetivo consolidar a legislação federal sobre o comércio exterior e dispor sobre os Impostos de Importação e Exportação, não abrangidos na Lei Complementar nº 214/2025. Tramita também no Senado o PL nº 4.423/2024, que visa estabelecer normas gerais sobre o comércio exterior de mercadorias, incluindo definições e abrangências de regimes que se encontram ausentes na já citada Lei Complementar.
Recomendamos uma especial atenção ao PL nº 4.423/2024, que dispõe sobre o comércio exterior de forma mais ampla, detalhada e em linha com as definições trazidas na Lei Complementar nº 214/2025, reduzindo a quantidade de informações específicas que exigiriam uma eventual alteração após a transição completa dos termos e condições dispostos na citada Lei Complementar e revogando os mais diversos dispositivos legais que tratam de temas relacionados ao comércio exterior (DL nº 37/1966, DL nº 288/1967, Lei nº 8.032/1990, Lei nº 10.865/2004, entre outras).
Importante observar que a Lei Complementar nº 214/2025 dispõe que não se aplicam ao IBS e à CBS as modalidades de drawback isenção e restituição, entretanto, tais modalidades permanecem até o momento previstas no PL nº 508/2024, arts. 144, 151, 152 e 186, V, “c)”, abrangendo I.I., IPI, PIS/Pasep, Cofins e AFRMM e PL nº 4.423/2024, em seu art. 144. Nesse sentido, podemos esperar eventuais modificações nos textos dos PLs citados, bem como a eventual permanência das modalidades isenção e restituição, muito provavelmente limitadas ao Imposto de Importação (I.I.) e ao Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), tributos não abrangidos pela Lei Complementar nº 214/2025.
Em resumo, a tabela a seguir demonstra os regimes aduaneiros especiais mais utilizados (em volume de empresas beneficiárias) dispostos na Lei Complementar nº 214/2025 juntamente com algumas observações e correlações com o PL nº 4.423/2024 (em tramitação):
Regime |
Benefício |
Observações |
Trânsito (art. 84) |
Suspensão do(a) IBS/CBS |
Aplicável para qualquer de suas modalidades de trânsito. Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo II do Título III do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
Depósito (arts. 85 a 87) |
Suspensão do(a) IBS/CBS |
Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo IV do Título III do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
Permanência Temporária (arts. 88 e 89) |
Suspensão total ou parcial do(a) IBS/CBS |
Definição do percentual de 0,033% ao dia de permanência no regime de admissão temporária para utilização econômica (equiparado a 1% ao mês previsto atualmente). Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo III do Título III do Livro III do PL nº 4423/2024. |
Aperfeiçoamento (arts. 90 a 92) |
Suspensão do(a) IBS/CBS |
Regimes chave: Drawback Suspensão e RECOF. Abrangidos também os regimes e admissão temporária para aperfeiçoamento ativo e exportação temporária para aperfeiçoamento passivo. Ver possível* abrangência detalhada no Capítulo V do Título III do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
ZPE (arts. 99 a 104) |
Suspensão com conversão para alíquota zero |
Conversão em alíquota zero em 2 anos para ativos, no momento da exportação para insumos. Ver possível* abrangência no Capítulo IV do Título IV do Livro III do PL nº 4.423/2024. |
Bens de Capital (arts. 105 a 111) |
Suspensão com conversão para alíquota zero |
Reporto: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 105, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025. Reidi: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 106, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025. Renaval: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 107, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025. Bens de Capital: Conversão em alíquota zero nos termos do art. 109, § 2º da Lei Complementar nº 214/2025. |
*Utilizado o termo “possível”, considerando que o PL nº 4.423/2024 ainda tramita no Senado.
É importante destacar que, conforme disposto no art. 434, § 4º da Lei Complementar nº 214/2025, o eventual IS incidente sobre a operação também será suspenso pelos regimes tratados nos Capítulos I e II do Título II do Livro I da citada Lei Complementar, sendo que na importação de bens materiais, o fato gerador do IS será o registro da declaração de importação.
Dado o contexto da reforma e a perspectiva de uma base de cálculo mais ampla para o IBS e a CBS, englobando diversas despesas e, eventualmente, elevando o montante a recolher nas importações de determinadas mercadorias em comparação com o PIS/Pasep e a Cofins, o planejamento tributário eficiente e a utilização estratégica dos regimes aduaneiros especiais, assim como reduções tarifárias nas nacionalizações, ganham ainda mais relevância. A possibilidade de obter ganhos por meio de isenções e, principalmente, de postergar ou evitar o recolhimento tributário na entrada de mercadorias e insumos, impactando positivamente o fluxo de caixa, torna-se um diferencial competitivo ainda mais crucial.
Fica evidente que a publicação da Lei Complementar nº 214/2025 representa um marco inicial significativo para reestruturação de nosso sistema tributário. Por outro lado, a ausência de detalhamentos específicos sobre os regimes aduaneiros especiais evidencia a necessidade de legislações complementares específicas, evidenciando também um processo de transição dinâmico e contínuo, a exemplo dos PLs nº 508/2024 e 4.423/2024 no Senado, que sinalizam uma transição detalhada e cautelosa, não se limitando apenas ao disposto na Lei Complementar nº 214/2025.
A forma como os projetos serão aprovados e regulamentados trará impactos diretos na operacionalização dos regimes aduaneiros especiais e no planejamento tributário e aduaneiro das empresas, sendo essencial mantermos uma constante postura de aprendizado e adaptação às mudanças. Mesmo diante da proposta da reforma tributária de mitigar o acúmulo de créditos, a capacidade de otimizar a incidência tributária através de um planejamento bem estruturado e da aplicação inteligente dos regimes aduaneiros especiais permanece como uma ferramenta fundamental para a gestão financeira e a competitividade das empresas no comércio exterior.
Alyson Bergold: Consultor Sênior da área de Global Trade do Simões Pires
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