Publicações
Lex Legal | 13/03/2025 | Amanda Pegoraro
Especialistas apontam para uma possível falta de transparência nos dados utilizados pela Receita Federal para justificar o fim do incentivo. O advogado tributarista Richard Dotoli, do Costa Tavares Paes Advogados, destaca que o único relatório específico sobre a execução orçamentária do Perse foi divulgado em janeiro de 2025, com dados acumulados até outubro de 2024.
“O art. 4º-A da Lei do Perse prevê a obrigatoriedade de fornecimento de relatório bimestral específico, mas isso não aconteceu efetivamente. Ora, se o secretário da Receita possui essas informações, deveria universalizá-las para que os contribuintes possam se organizar minimamente. De qualquer forma, a extinção do benefício não é automática. Ele será extinto apenas a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo, em audiência pública do Congresso Nacional, que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado”, explica Dotoli.
A decisão do governo pode impactar diretamente empresas que ainda enfrentam dificuldades financeiras para se recuperar da crise causada pela pandemia. O professor universitário Tiago Conde, doutor em Direito Tributário e sócio do SCMD Advogados, reconhece que a previsão de um teto de gasto para o programa estava prevista na legislação, mas questiona se a extinção do benefício não deveria levar em consideração a situação econômica das empresas afetadas.
“Para todo incentivo fiscal, o governo precisa estimar qual é o valor que deixará de recolher. E, para a legislação que estabelece o incentivo ser considerada constitucional, ela precisa apontar como vai compensar aquela receita que deixará de ser recolhida. Se, de fato, havia esse limite na Lei do Perse e ele foi atingido, a medida certa é a extinção do benefício. Entretanto, cabe destacar que esse benefício ainda continua sendo muito válido para o setor de eventos, porque as empresas ainda estão sofrendo com a queda de faturamento registrada desde a pandemia de Covid-19 — e muitas não conseguiram se recuperar”, afirma Conde.
Outro ponto polêmico levantado por tributaristas é a legalidade da interrupção do incentivo antes do prazo de 60 meses inicialmente previsto. A tributarista Amanda Neuenfeld Pegoraro, sócia do Simões Pires, argumenta que essa decisão pode contrariar o Código Tributário Nacional (CTN), que veda a revogação de isenções concedidas a prazo certo.
“Considerando que o Perse é um benefício fiscal concedido na forma de redução a zero das alíquotas do IRPJ/CSLL e PIS/Cofins pelo período específico de 60 meses, a comunidade jurídica questiona se a introdução de um teto de valores é possível, uma vez que o Código Tributário Nacional veda a revogação de concessão de isenção a prazo certo, o que inclui também a ‘alíquota-zero’, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”, afirma Pegoraro.
Esse entendimento já levou algumas empresas beneficiadas pelo programa a ingressar com ações judiciais para garantir a manutenção dos incentivos. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) concedeu uma liminar favorável à manutenção de empresas no Perse, mas a decisão ainda pode ser revertida, e o tema promete gerar intensa judicialização nos próximos meses.
Com a incerteza sobre a continuidade do Perse, representantes do setor de eventos e especialistas tributários defendem que o governo federal deveria buscar alternativas para garantir que empresas ainda fragilizadas pela crise possam continuar operando. A possibilidade de um novo programa de incentivos, a redução gradual dos benefícios ou a criação de linhas de crédito subsidiadas são algumas das opções cogitadas para evitar um impacto ainda maior no setor.
Enquanto isso, as empresas afetadas seguem no aguardo de definições mais claras por parte do governo e do Poder Judiciário, que deverá ser palco de uma nova disputa sobre a legalidade da interrupção do Perse.
Veja também: Entenda: Investir ou não em ativos na aquisição de terras agrícolas