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Neo Mondo | Ana Chagas | 20/01/2025
Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a gravidade das mudanças climáticas, 2024 veio para deixar claro que o planeta está em alerta máximo. Pela primeira vez, ultrapassamos a marca de 1,5°C de aquecimento global, um limite que os cientistas apontam como crítico para evitar impactos catastróficos. E os efeitos dessa nova realidade se manifestaram de forma assustadora: enchentes devastadoras, secas severas, incêndios florestais incontroláveis e furacões cada vez mais intensos.
No Brasil, o estado do Rio Grande do Sul viveu uma das piores enchentes da história, deixando milhares de desabrigados e evidenciando a vulnerabilidade da infraestrutura urbana diante de eventos extremos. Enquanto isso, as queimadas na Amazônia e no Cerrado bateram recordes, com focos de incêndio muito acima da média histórica. O Pantanal, que vinha de um período de relativa recuperação, também sofreu com queimadas que devastaram milhares de hectares de vegetação nativa.
Do outro lado do planeta, 2024 trouxe recordes de temperatura na Europa, com ondas de calor que atingiram níveis inéditos em países como Espanha, Itália e Grécia, provocando incêndios florestais e colapsos no sistema elétrico. A China sofreu com enchentes catastróficas, enquanto os Estados Unidos enfrentaram um número sem precedentes de tornados. Mas talvez o evento que mais simbolize essa nova era de extremos tenha sido o furacão Milton, que quase atingiu a categoria 6—um nível que, tecnicamente, nem existe nas escalas oficiais, mas que cientistas já cogitam incluir diante do aumento da intensidade dos ciclones tropicais.
Com um cenário tão desafiador, a resposta dos governos e do setor privado precisou ser rápida. No Brasil, a crise climática impulsionou novas políticas e marcos regulatórios, enquanto no cenário internacional, a busca por soluções concretas levou a decisões que podem moldar o futuro do planeta.
Diante do agravamento da crise ambiental, o Brasil deu passos importantes para fortalecer sua regulação climática. Em maio de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.904, que estabelece diretrizes para adaptação às mudanças do clima. O objetivo é preparar o país para os impactos já inevitáveis, reduzindo vulnerabilidades e protegendo tanto as cidades quanto os ecossistemas naturais.
Outra novidade foi a regulamentação do mercado brasileiro de carbono, com a sanção da Lei nº 15.042. O novo Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) visa reduzir as emissões nacionais e alinhar o país às metas internacionais de descarbonização. O tema ganhou ainda mais destaque após a Operação Greenwashing, que revelou um grande esquema de fraudes envolvendo créditos de carbono, expondo a necessidade de mais transparência e governança no setor.
No cenário internacional, a 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29) foi um marco para a regulamentação do mercado global de carbono. Após anos de negociações, finalmente houve um consenso sobre a redação final do Artigo 6 do Acordo de Paris, criando regras mais claras para a compra e venda de créditos de carbono entre países.
No entanto, muitos saíram frustrados com os poucos avanços na definição de um financiamento climático robusto para os países em desenvolvimento, especialmente no que diz respeito ao Fundo de Perdas e Danos, criado para apoiar nações vulneráveis a desastres climáticos.
O Brasil, por sua vez, apresentou uma nova versão de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), prometendo reduzir suas emissões líquidas entre 59% e 67% até 2035, em relação aos níveis de 2005. No entanto, a proposta gerou controvérsia. Especialistas apontam que, apesar do discurso ambicioso, a nova NDC não representa um aumento real no nível de ambição climática do Brasil, pois a base de cálculo utilizada levanta dúvidas sobre sua efetividade prática. Esse debate se torna ainda mais relevante diante da necessidade de o Brasil consolidar sua liderança climática global.
A agenda ESG também evoluiu em 2024, trazendo impactos diretos para empresas brasileiras. A União Europeia aprovou a Diretiva de Due Diligence Corporativa de Sustentabilidade (CS3D), que exige que empresas que operam no bloco—incluindo exportadores brasileiros—adotem critérios ambientais e sociais rigorosos em suas cadeias produtivas.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou novas regras de transparência climática, obrigando empresas listadas na bolsa a divulgarem seus riscos e impactos ambientais a partir de 2026. Além disso, a Lei Antidesmatamento da União Europeia (EUDR), que proíbe a importação de produtos associados ao desmatamento, teve sua implementação adiada para 2025, dando mais tempo para produtores brasileiros se adaptarem.
A crise climática também acelerou investimentos em energia limpa. Em agosto, foi aprovada a Lei do Hidrogênio Verde (Lei nº 14.948/24), criando um marco regulatório para essa tecnologia. Outro avanço foi a Lei do Combustível do Futuro (Lei nº 14.993/24), que estimula o uso de biocombustíveis.
No setor automotivo, a criação do Programa Mover destinou R$ 19 bilhões para fomentar a produção de veículos elétricos e híbridos no Brasil.
Até mesmo o RenovaBio passou por ajustes, respondendo a um pleito antigo dos produtores de biomassa. A nova regulamentação agora deixa clara a obrigatoriedade da repartição de benefícios entre produtores de biomassa e produtores de biocombustíveis, garantindo uma divisão mais justa dos Créditos de Descarbonização (CBios).
Se 2024 foi um ano de eventos climáticos extremos e avanços regulatórios, 2025 já começou confirmando essa tendência. O incêndio devastador na Califórnia, logo nos primeiros dias do ano, reforça que os eventos extremos estão cada vez mais frequentes e intensos. Essa realidade está refletida no Relatório de Riscos Globais 2025 do Fórum Econômico Mundial, que destaca os desastres climáticos como uma das principais ameaças globais.
Para o Brasil, a COP30, que será realizada em Belém (PA), não pode ser apenas uma vitrine de discursos e promessas. O país precisará apresentar resultados concretos de implementação, como um roadmap para financiamento climático.
Além disso, a regulamentação do mercado brasileiro de carbono não pode mais ser postergada. Como mostra o relatório do Fórum Econômico Mundial, a transição para uma economia de baixo carbono será um diferencial competitivo crucial nos próximos anos.
Diante de tantas transformações, 2025 será um ano decisivo para governos, empresas e a sociedade na luta contra a crise climática.
*Ana Chagas advogada com mais de 20 anos de atuação na área de sustentabilidade. É mestre em Direito Ambiental pela Université Paris 1 – Panthéon Sorbonne e sócia-líder da área Ambiental, ESG e Mudanças Climáticas do Simões Pires Advogados. Membro ativo da Rede LaClima (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), atuando como mentora do GT Corporativo e Clima, e como Conselheira Fiscal.
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